quinta-feira, maio 15, 2008

Efemeridades

Uma mulher entra descalça no ônibus, em uma manhã gelada em São Paulo. Em seus braços leva uma criança. Ela cobre o menino com uma manta e fecha as janelas. Ele parecia estar bem aquecido.

A mulher tremia. Enquanto todos os outros passageiros estavam agasalhados com bons casacos, ela usava apenas uma camiseta velha e uma bermuda surrada, ignorando o frio que fizera muitas pessoas dormir um mais pouco naquela manhã cinzenta. O bebê, porém, vestia uma blusa de lã, uma calça de veludo e sapatinhos de crochê.

Ela pegava na pequena mão do garoto e encostava em seu rosto. Parecia querer ter certeza de que a criança - que talvez fosse seu filho - não sentia frio. Ela, no entanto, tremia visivelmente.

"O senhor é daqui?", a mulher me perguntou. Eu, que sentava ao lado dela, respondi que sim, e fui surpreendido com uma nova questão: "Conhece algum lugar aonde eu possa ficar essa noite por uns dez reais?"

Infelizmente, não pude ajudá-la. Se ela me pedisse uma indicação de um bom restaurante ou de algum lugar para se divertir, poderia listar uma dúzia de opções irresistíveis. Mas abrigo por dez reais não faz parte do dia-a-dia da alienada classe média paulistana.

Depois disso, não fez mais perguntas.

De repente, o menino acordou. Ela abraçou ele, que parecia feliz ao despertar, apesar de todo desconforto de dormir em um veículo lotado. Antes de descer, pude ver o bebê sorrindo pra ela.

Um singelo momento que passaria despercebido, não fossem os episódios brutais da mudança do relacionamento entre pais e filhos que a sociedade assistiu nos últimos tempos.

7 comentários:

Anônimo disse...

Nossa... ótima percepção de um fato. Bravo! bjs

Anônimo disse...

A realidade da vida de outras pessoas passam por todos o tempo todo. Mas poucos realmente percebem o que acontece fora do próprio universo.

Um beijo da magrela. Uou!

Anônimo disse...

As vezes, a realidade chega sem pedir licença e nos invade, derruba nossos muros de conformismo
ou apenas nos faz pensar um pouco o quanto tudo eh efêmero, como tudo que eh sólido se desmancha no ar(palavras de Marx).E por isso algumas pessoas tentam fugir dela( a realidade) e como LaMari viraum refugiados da ilusão. Fingindo ou apenas vivendo-a .
afinal como diz Pessoa o poeta eh um fingidor...

Dpois de minha viagem, vem o elogio que se repete ,texto limpo , agradável...
e agora estah com um link em meu blog
Kedate bien...
e Pokito a poko volviendo...

Anônimo disse...

Mais uma vez, as precisas palavras do Gabriel consegue, com uma precisão quase que fotográfica, retratar a realidade brasileira.

Em alguns trechos da narrativa -e, ao mesmo tempo, reflexão -, é-nos evidente que as situações são avaliadas com os olhos que possuímos; neste caso, foi preciso e crítico.

A grande questão que se suscita desta narrativa é: temos (enquanto cidadãos brasileiros) duas alternativas, ou ficarmos com dó desta pessoa e continuarmos nossas vidinhas medíocres ou tomarmos consciência de nosso papel frente aos demais membros da coletividade e ficarmos indignados com esse tipo de cena que ainda - infelizmente! - é muito comum em nosso cotidiano (e por isso passa tão desapercebidamente para nós) e tomarmos vergonha na nossa cara e fazermos algo para mudar isso...

Bom, de antemão, já digo que opto pela segunda. Agora, cada um que coloque a mão em vossas consciências e vejam o que querem fazer com vossas vidas.

Parabéns Gabriel pela qualidade -como não poderia deixar de ter algo feito por você, diga-se de passagem- da postagem e pela possibilidade de cada um a sua própria maneira, repensar suas vidas.

Abraço"

Anônimo disse...

Ainda existe quem seja humano...
Com certeza!
Beijos no coração.

Anônimo disse...

A vida é uma farsa, inclusive a sua!

Bella disse...

lindo isso!